Rodrigo Ratier

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Reportagem

Polêmicos, cursos a distância têm 2 em cada 3 ingressantes nas faculdades

Salas de aula cada vez mais virtuais, configurando um novo tipo de ambiente de aprendizagem. Essa é a realidade do ensino superior brasileiro, que em 2023 chegou à marca de 66%, ou dois em cada três ingressantes na modalidade a distância.

É uma tendência: segundo dados do Censo da Educação Superior divulgados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), desde 2020, o número de alunos que optam pela educação a distância (EAD) supera os estudantes da modalidade presencial, com alunos e professores em contato direto, físico e síncrono.

Mais do que uma escolha, para milhares de estudantes brasileiros, a modalidade EAD é a única oportunidade de acesso à universidade, tanto pela flexibilidade de horários, que possibilita que os estudantes trabalhem em tempo integral durante a graduação, quanto pela oferta de cursos superiores além da região onde o aluno reside.

Ainda segundo o Censo da Educação Superior de 2023, em 2.281 municípios brasileiros, cerca de 41% do total, os polos de educação a distância são a única oferta de ensino superior disponível.

É o caso de Sapezal, em Mato Grosso, onde Karla Nunes concluiu o curso de licenciatura em matemática na modalidade EAD pelo IFMT (Instituto Federal de Mato Grosso). "Aqui no meu município nós não temos universidades [presenciais], então a nossa única oportunidade de estudo é via Universidade Aberta do Brasil, tanto pelo IFMT quanto pela Unemat [Universidade do Estado de Mato Grosso]", diz.

Karla é técnica em desenvolvimento infantil e atua como intérprete de libras para alunos surdos. Ela foi estudante da primeira turma do curso de matemática a distância do IFMT, que hoje está presente em 13 polos no estado. Desde que se formou, ela fez outro curso superior, pedagogia, e uma especialização em educação inclusiva. Sempre a distância.

Com o avanço da interiorização do ensino superior impulsionado pela modalidade a distância, os cursos de graduação passaram a atrair estudantes cada vez mais diversos. Enquanto no presencial 69% dos estudantes têm até 24 anos, na EAD, a faixa etária mais expressiva é de alunos entre 25 e 39 anos, que corresponde a 49% dos ingressantes em 2022.

Já com relação à renda familiar, 76% dos estudantes da modalidade a distância possuem rendimentos familiares de até 4,5 salários mínimos, enquanto para os estudantes presenciais essa faixa é de 65%. Os dados são do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) 2022, o relatório mais recente disponível.

Com relação à oferta desses cursos, a iniciativa privada é a líder disparada na modalidade, com 96% dos alunos matriculados em graduações a distância. Isso se deve, em grande parte, às mudanças realizadas em 2017 na regulamentação da Lei nº 9.394, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases para Educação), considerada a "carta magna" da educação brasileira.

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Naquele ano, as regras para o credenciamento de instituições superiores e a abertura de polos de apoio aos cursos a distância foram afrouxadas. As modificações facilitaram a expansão de instituições superiores e criação de novos polos de apoio presenciais.

Os estudantes por trás das telas

Para Tayliny Silva, estudante de análise e desenvolvimento de sistemas e mãe de Benício, de três anos, mais do que uma escolha, a modalidade EAD foi o caminho para voltar a estudar. "Eu estava fazendo história na Udesc [Universidade do Estado de Santa Catarina] e tive que trancar no último semestre por questões financeiras. Por mais que seja uma faculdade pública, eu não consegui permanecer lá. E na minha época a bolsa ainda era só de R$ 400, né?", diz.

Quando Tayliny descobriu que estava grávida, ela e o companheiro, Taz Assunção, traçaram um plano para que ambos conseguissem concluir um curso superior, sem afetar o orçamento da casa nem a criação de Benício. "Hoje a gente priorizou fazer assim: eu fico na EAD e o meu companheiro vai para o presencial. Nós dois temos que ter diploma, só que um dos dois tem que ficar em casa para quando precisar", afirma.

Já para Danielle Ramos da Silva, a graduação em design gráfico é um caminho para se qualificar ainda mais na profissão. A carioca trabalha com produção gráfica, criando artes para convites, cartões de visita e topos de bolo. Para ela, a escolha da modalidade foi motivada pela acessibilidade da EAD. "Eu sou portadora de deficiência física. Como tenho dificuldade de locomoção, preferi fazer a distância", declara. A estudante está cursando o primeiro semestre do curso no polo Unicesumar de Piabetá, região na baixada fluminense.

Primeiro membro da família a concluir o ensino superior, Adir da Conceição terminou no final de 2023 o curso de administração pública EAD na UFF (Universidade Federal Fluminense). Ao longo dos quatro anos de graduação, o estudante travou uma luta em prol da representação estudantil EAD. Hoje, mais do que a conquista do diploma, Adir também celebra os avanços alcançados em nome dos estudantes da modalidade, por meio do Centro Acadêmico de Administração Pública (CA3E), do qual foi vice-presidente.

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"Nós participamos da eleição da reitoria, conseguimos trazer a eleição do DCE [Diretório Central dos Estudantes] para o voto online também, porque nós não tínhamos essa participação. Participamos das reuniões do colegiado de curso e também estivemos presentes no Congresso da UNE, em Brasília. Então conseguimos levar a representatividade estudantil a distância a um nível que as pessoas não imaginavam que poderia chegar", ressalta Adir.

Modalidade ainda enfrenta preconceitos

"Tem muitos que acham que a gente tem as mesmas oportunidades de estudar, de mudar de uma região, viver naquele mundo da universidade que não é o nosso. Nós não podemos 'só estudar', não é assim. A gente tem nossos afazeres, tem uma vida fora desse âmbito escolar".

A fala é da estudante Giovanna Pacheco, que cursa licenciatura em letras na UFF, polo Nova Iguaçu-RJ. Assim como ela, outros alunos relatam conviver com manifestações de preconceito contra o ensino a distância, que carrega o estigma de ser "mais fácil" e, portanto, com menos valor quando comparado à modalidade presencial.

A deslegitimação da modalidade se acentuou ainda mais com a expansão nos últimos anos. O cenário atual é de uma regulamentação frágil e instrumentos de avaliação defasados, que não impedem a criação e manutenção de cursos a distância de baixa qualidade.

Rita Borges, diretora da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância) e avaliadora institucional do MEC, enfatiza a necessidade de supervisão da modalidade. "O que falta mesmo é fiscalização melhor, é criar indicadores de qualidade para que a gente possa efetivamente mostrar quais instituições entregam um ensino de qualidade e quais não. Então aquelas que ofertam cursos ruins vão ter que ser penalizadas", diz Rita.

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Leandro Chemalle, presidente do DCE da Univesp, maior universidade pública com cursos EAD do Brasil, destaca que a defesa da modalidade é dever de todos os estudantes. "O aluno do presencial jovem hoje, se lutar por um ensino a distância melhor, está fazendo uma luta em benefício próprio. Mesmo não pensando em fazer EAD hoje, quando ele tiver 32, 33, ele vai buscar essa modalidade. Então a luta pela EAD pública, gratuita e de qualidade é uma luta não só dos estudantes da EAD, é uma luta de todos", afirma Leandro.

* Barbara Schroeder é autora da série de reportagens sobre EAD no ensino superior que venceu o 6º Edital do Jornalismo de Educação da Associação dos Jornalistas de Educação. A coluna publica versões exclusivas do trabalho vencedor.

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