5 anos de covid e a lição de que precisamos voltar a ser sociedade

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Onde você estava no mês de março de 2020?
Com algumas variações, essa é uma pergunta que tem se repetido em diversas reportagens, podcasts, matérias de telejornal, porque o jornalismo tem essa mania das efemérides — a lembrança de uma data importante, geralmente em aniversários de final 5 ou 0. É o caso, agora, da pandemia de covid-19, cuja explosão completa 5 anos. Supõe-se um evento grandioso, do tipo "antes e depois" — de fato o foi — a ponto de que todos se recordem do que estavam fazendo quando o mundo veio abaixo.
Para o cronista em busca de sentido, é a chance de promover um certo acerto de contas com o passado. Revisitando o arquivo da coluna, acho que segue atual o texto Pandemia: estamos sós, a sociedade não existe. Triunfa o neoliberalismo, de 14 de setembro de 2020:
"Momentos de crise muitas vezes nos apresentam opções binárias. Foi assim com a pandemia. Poderíamos ter enfrentado o desastre por duas lógicas distintas: a do individualismo ou a da solidariedade. Em raríssimos momentos, o pensamento coletivo parecia prevalecer. Nos comovemos com as mortes na Itália, fizemos crescer o fluxo de doações aos mais vulneráveis, aplaudimos os profissionais de saúde.
Mas as centenas de milhares de mortes já não impressionam, o ímpeto de compartilhar arrefeceu, os aplausos viraram panelaço e, enfim, silêncio resignado. Tudo tão efêmero que não dá nem para caracterizar como jogo de cena: não houve sequer encenação de espírito coletivo."
Apesar da enorme dor das vidas perdidas, em algum sentido — sobretudo ético —, a pandemia poderia ter deixado saldo positivo. Não aconteceu. Comparando 2020 e 2025, me parece correto dizer que vivemos em um mundo mais inseguro, mais instável, mais incivil e mais frágil do que antes.
O que não quer dizer que tudo deu errado. A vacina veio em tempo recorde. Fruto de um esforço coletivo, gigantesco dispêndio de sabedoria, dinheiro e espírito colaborativo, salvou milhões e milhões de pessoas — talvez você e eu, que já tive covid por duas vezes apenas com sintomas leves graças ao imunizante.
O sucesso da vacina é uma prova de que, quando se precisa, aparece o dinheiro. Formou-se um consenso não absoluto, mas forte o suficiente para que se decidisse de que valeria a pena tomar medidas extremas para salvar a humanidade, mesmo que a conta fosse extremamente alta.
Esse senso de urgência falta hoje diante da crise climática. Há sensíveis diferenças entre uma pandemia e o processo de aquecimento global. Aquela é uma corrida de 100 metros, e este é uma maratona (pelo jeito, talvez meia-maratona ou São Silvestre...). De certa maneira, passa-se a impressão de que o fim não está assim tão à espreita. A ação cede lugar à hesitação.
Há mais: enquanto a pandemia em seu poder destruidor era mais ou menos democrática — mais ou menos porque isolamento social se transformou em privilégio de classe —, a crise climática afeta diretamente os mais vulneráveis. Afeta muito mais quem não pode pagar ar-condicionado, migrar para áreas mais seguras — ou para outros planetas, como deliram os bilionários das big techs —, reforçar suas construções com materiais mais resilientes. Enfim: dinheiro adia o fim do mundo.
Aqueles que sempre mandaram no planeta vão continuar se safando até o ponto em que o globo todo se tornar inabitável, fugindo para lugares onde ainda seja possível dar o último sopro de vida. O resto de nós? Bem, vamos nos virando. Usamos uma característica formidável do ser humano, a capacidade de adaptação, para, anestesiados, dançar uma música atrás da outra com a morte.
A esperança é que sempre dá para fazer de outra maneira. Olhar para a pandemia pode ajudar a não repetir os mesmos erros. Fico com a reflexão do texto de 5 anos atrás: precisamos de uma sociedade, e de coragem para consertar ou rejeitar o sistema socioeconômico que, no fim das contas, é a causa tanto da eclosão da covid-19 quanto da crise climática.
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