Leonardo Sakamoto

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Opinião

Após Bolsonaro fugir para os EUA, general disse que ele 'fez o correto'

Jair Bolsonaro levantou voo de Brasília em direção à Flórida, onde se autoexilaria por três meses, em dia 30 de dezembro de 2022, às 14h02. Às 19h12 do mesmo dia, quando o presidente tinha acabado de deixar o espaço aéreo brasileiro, o então comandante do Exército, general Freire Gomes, enviou uma mensagem ao tenente-coronel Mauro Cid afirmando estar com o "coração triste" e a "alma amargurada", mas que sua "consciência" dizia que o então presidente da República "fez o correto" e que "Deus estará com ele".

O diálogo foi publicado em mais uma matéria da série "Zap do Cid", de Aguirre Talento e Tiago Mali, no UOL, e foi encontrado em meio a 158 mil mensagens no WhatsApp que vêm sendo analisadas pelos repórteres.

Bolsonaro diz que não queria passar a faixa para Lula, mas, segundo a Polícia Federal, seu refúgio em Orlando, nas cercanias da Disney, serviu como precaução para evitar uma responsabilização pelo planejamento do golpe de Estado nos últimos meses de 2022. E também para aguardar o desfecho dos atos golpistas do 8 de janeiro de 2023, a cereja do bolo da conspiração.

Cid, que ainda era ajudante de ordens de Jair, respondeu que Bolsonaro contou "com um assessoramento justo, leal e fiel do senhor". E que "o futuro dirá" sobre Jair ter feito o certo.

O general podia estar falando da fuga de Bolsonaro, da desistência do então presidente de tentar um golpe sem o apoio da cúpula do Exército e da Aeronáutica ou dos sentimentos sobre ambos ao mesmo tempo.

Não é desconhecido que o general era simpático a Bolsonaro, boa parte das Forças Armadas também ainda são. A questão é que ele não viu condições de uma intentona golpista, dada à falta de apoio internacional, a conjuntura nacional, o posicionamento do Congresso e a resistência da maioria da sociedade. Se a conjuntura fosse diferente, talvez o comportamento dele teria sido também. Mas o condicional "se" existe em ficções da Marvel, não na História.

E por ele e pelo brigadeiro Batista Júnior não terem pulado no colo de Jair, a coisa ficou difícil para o então presidente. Que até procurou outras opções com outros generais, segundo a investigação da PF, mas sem conseguir por os tanques nas ruas.

Freire Gomes confirmou à Polícia Federal e, agora, ao STF que foi apresentado ao golpe. Faz parte da defesa de réus, ainda mais réus por uma conspiração contra a democracia, usar todas as ferramentas à disposição. Cabe aos magistrados, à imprensa e à sociedade limparem o ruído ficando com o cerne da mensagem. No caso do depoimento do general, independente da simpatia do militar com o bolsonarismo, ele confirmou que o então chefe discutiu com as Forças Armadas a tal minuta golpista.

Por conta da tentativa corporativista de passada de pano do general para o seu colega, o almirante Garnier (que afirmou que estaria com o então presidente), e que levou o militar a ser lembrado pelo ministro Alexandre de Moraes que ele havia dito outra coisa à PF, apoiadores de Bolsonaro tentaram vender que o depoimento havia amenizado as acusações sobre a tentativa de golpe. O que é conversa para gado dormir.

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O quer importa é que o general confirmou que Jair havia apresentado a ele e aos outros comandantes militares, após sua derrota nas eleições, documento que tratava de estado de sítio, prisão de autoridades e uma ação de tutela das Forças Armadas. Freire Gomes também afirmou que disse ao chefe que ele poderia ter problemas com a Justiça e que o Exército não participaria de nenhuma ação ilegal.

Freire Gomes relatou ao STF que, por isso, sofreu pressões, inclusive militares, para aderir ao plano golpista, com ataques contra ele e seus familiares. O seu colega, Braga Netto, preso neste momento, puxou o coro do bullying.

O general pode ser simpático ao bolsonarismo e dar um abraço de afeto no ex-presidente, isso faz parte da democracia. O que não faz parte é ser simpático ao golpismo e dar um abraço de morte na própria democracia.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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