Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bolsonaro se vende como presidente café com leite em entrevista ao UOL

Bolsonaro disse com naturalidade, nesta quarta, em entrevista a Carla Araújo e Josias de Souza, do UOL, que conversas vadias que teve com comandantes militares e assessores civis sobre medidas a serem tomadas após a derrota nas eleições, como a decretação de um estado de sítio, ocorreram porque o Tribunal Superior Eleitoral negou um pedido do PL para anular os votos de Lula.

Dessa forma, vendeu que, durante a sua gestão, a estrutura da Presidência da República era a de um grande boteco no qual reuniões de caráter golpista, algumas com a participação da cúpula das Forças Armadas, aconteciam com a mesma frivolidade com a qual se pede uma cerveja litrão, um frango a passarinho e, claro, uma porção de tremoços. E que tudo bem que assuntos discutidos no comando do Poder Executivo fossem teratológicos até porque o presidente não teria responsabilidade sobre eles.

Nessa presidência café com leite, o general Mário Fernandes organiza um plano para matar Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes e, depois, vai papear com Bolsonaro no Alvorada para falar da vida. "Matou a República e foi ao palácio" poderia ser a pornochanchada de realismo fantástico criada a partir desse roteiro.

Só para refrescar a memória: em novembro de 2022, Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, entrou com uma ação pedindo a anulação usando falácias e mentiras sobre o registro de votos nas urnas fabricadas antes de 2020. Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, disse que a solicitação deveria conter também a anulação dos votos do primeiro turno. Mas como isso desconsideraria votos que tornaram o PL o maior partido da Câmara, deixou-se de lado. Ao final, o partido foi multado em R$ 22,9 milhões.

Nessa realidade paralela, pintada na entrevista ao UOL, Bolsonaro disse que a tentativa de golpe Estado se resumiu à invasão e depredação nas sedes dos Três Poderes, quando o 8 de janeiro de 2023 foi apenas a cereja do bolo de uma longa conspiração que começou em seu governo.

Afirmou que, "quando o pessoal dos acampamentos chegou ali [na Praça dos Três Poderes], já estava tudo depredado", tentando fazer crer que tudo foi um teatro da esquerda apesar de as imagens mostrarem o contrário. Apontou que o processo do qual é réu não tem uma minuta de golpe, quando o seu conteúdo já é largamente conhecido após as investigações da Polícia Federal.

Insistiu que estava na Flórida, no 8/1, e, portanto, não poderia ser punido pelos atos golpistas, como se não houvesse telefone para comando à distância, nem que viagens constroem álibis.

Parte de suas declarações na entrevista ocorreu dentro do que se espera do jogo político, quando, por exemplo, questionou o julgamento do seu processo no STF e não na primeira instância. Ou quando rechaçou comparações do que ele vem fazendo com que fez Lula, em 2018, ao levar a sua candidatura até o último minuto, apesar de a estratégia ser a mesma. Ou ainda quando evita em apontar um sucessor político porque diz que, se isso acontecer, não irá mais ser procurado.

Mas encarar a si mesmo como inimputável e vender realidade paralela causa impactos negativos para a vida dos brasileiros. Bolsonaro voltou a afirmar que as vacinas contra a covid-19 não funcionam e que creditou o fim da pandemia ao desenvolvimento da imunidade natural da população. Dessa forma, planta a dúvida sobre a segurança em vacinas na cabeça de pais e mães e deixa crianças ao relento.

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"Que golpe da Disney é esse se eu estava fora no 8 de janeiro?", questionou. É aquele em que ele insiste em nos tratar como patetas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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