Leonardo Sakamoto

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Opinião

Com crianças mortas na casa dos pais, por que extremistas atacam escolas?

Crianças deveriam se sentir seguras em suas próprias casas, mas a residência é o lugar de violências física, sexual, psicológica, de negligência e abandono e até morte para 68% das que têm até quatro anos de idade e para 66% das que estão entre cinco e 14 anos. Considerando essas duas faixas etárias, a violência em via pública, ou seja, ruas e praças, responde por, respectivamente, 4,4% e 9,8% dos casos. E a ocorrida nas escolas, 2,2% e 5,7%.

Os dados são do Atlas da Violência 2025, uma parceria entre entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgados nesta segunda (12), e levam em conta dez anos de dados, entre 2013 e 2023.

A violência doméstica responde por quase 80% daquela sofrida por bebês e 56% das que envolvem crianças de cinco a 14 anos.

Isso desmente a falsa ideia vendida por grupos fundamentalistas religiosos e extremistas que o perigo vem daquilo que é de fora do principal círculo de segurança. Em outras palavras, que o "porto seguro" é a casa e a família, enquanto o risco está nos professores, nos desconhecidos e até em exposições de arte.

Pelo contrário: apesar de escolas serem frequentemente atacadas pela educação sexual (o que pode conscientizar estudantes e ajuda-los a identificar e denunciar casos de abuso), ainda assim são muitas vezes o único porto seguro real para crianças. Sim, elas são palco de outras formas de violências, como o bullying, mas também o local onde os pequenos podem encontrar acolhimento contra familiares que deles abusam.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, que sistematizam os boletins de ocorrência registrados pelas polícias civis de todo o país, apontam para 54.297 registros de estupro e estupro de vulnerável de vítimas do sexo feminino, dos quais 71%% são de autoria de familiares, parceiros íntimos ou ex.

Sim, apesar de artistas e suas exposições terem sido falsamente acusados de promoverem violência sexual contra crianças, ela ocorre predominantemente no seio da própria família. Com igrejas passando pano, ao menos nos casos de grande repercussão ou quando isso envolve padres e pastores.

Isso lembra grupos fundamentalistas que, anos atrás, tentarão impedir o aborto legal em uma menina de dez anos grávida após ter sido estuprada por quase metade da vida pelo próprio tio. O problema para eles não era um frágil ser humano carregar o fruto de estupro porque sua família e a sociedade falharam com ela, mas ela querer uma vida como qualquer criança de sua idade.

Por vezes, denúncias são soterradas em montanhas de silêncio para manter as aparências familiares. Isso quando são levadas a sério. Assim, a vítima é obrigada a conviver com a dor.

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O que fazer quando o porto seguro é, na verdade, o local de risco? E quando as pessoas que teriam que dar afeto e amparo são aquelas que condenam a uma vida de sofrimento? Difícil responder quando você tem apenas dez anos e percebe que muita gente poderosa vê você como um vaso e não como um ser humano.

Mas os adultos podem ajudar, garantindo que o Estado tenha instituições e políticas fortes para proteger os mais vulneráveis. E que a inação de servidores públicos, médicos, procuradores e juízes seja punida pela lei.

Discutir o assunto abertamente, contudo, apontando quem comete a violência e aonde ela ocorre, é o primeiro passo para ela sair da invisibilidade. Isso ajuda a reconhecer os problemas reais dos espantalhos erguidos por extremistas. Não há tem notícia que artistas em museus estuprem crianças. O mesmo não pode se dizer de certos pais, padrastos, tios, primos, avôs em casa.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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