Leonardo Sakamoto

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Opinião

Do avião de Trump às joias de Bolsonaro, mimos árabes despem moral seletiva

Donald Trump negocia a doação de um Boeing 747-8 da família real do Qatar, no valor de mais de R$ 2 bilhões, um palácio voador que seria usado como avião presidencial durante sua gestão e, depois, transferido à sua biblioteca presidencial, podendo, portanto, ser usado livremente por ele quando deixar o poder.

Há um evidente conflito de interesses. Como o Qatar é um país com fortes laços econômicos e políticos com os Estados Unidos, e o próprio Trump tem interesses empresariais particulares por lá, um presente dessa magnitude levanta suspeitas sobre possíveis influências em suas decisões. A Constituição americana proíbe que o presidente receba presentes de governos estrangeiros sem autorização do Congresso, mas há pouca dúvida de que consiga um aval de um parlamento cuja maioria lhe é subserviente.

Trump e seus aliados frequentemente acusam adversários de serem "comprados" por potências estrangeiras. No entanto, ele próprio se envolve em uma situação que, se fosse praticado por um líder progressista, seria imediatamente classificado por ele como corrupção. Essa duplicidade de critérios expõe a hipocrisia de um discurso que condena a imoralidade alheia enquanto pratica atos escandalosos.

Diante das críticas, Trump disse em sua rede social que os democratas são corruptos e querem que os Estados Unidos paguem caro por um avião. O que ele não diz é que aquilo que aparentemente é de graça pode acabar saindo caro para o contribuinte a depender de como a "retribuição" será feita.

Governos com tendência autoritária gostam de se apresentar como defensores da moralidade e dos bons costumes, acusando os adversários de serem corruptos e aliados de regimes autoritários. No entanto, a realidade mostra que muitos de seus líderes não apenas fecham os olhos para a corrupção, mas também se beneficiam diretamente de presentes e vantagens oferecidas por outros governos, não raro, autoritários.

Presentes dados por governo árabes dispararam discussões éticas também por aqui. O ex-presidente Jair Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal por organização criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação de bem público no caso de milhões de reais em ouro e diamantes dados ao país pela família real da Arábia Saudita.

Ser acusado de "ladrão de joias" é bem mais palpável do que "golpista" para uma parcela da população que votou nele, mas não é seu fã (quem é seguidor radical crê em absolutamente qualquer coisa). Mas o grupo que acreditou na narrativa de que Jair era um homem "honesto" e estava acima da corrupção ou que, ao menos, acreditava estar apoiando o "mal menor" pode ser impactado com esse tipo de coisa.

Durante as campanhas eleitorais de 2018 e de 2022, e também nos quatro anos de seu mandato, Bolsonaro se vendeu como um "homem comum" que representaria os interesses do povo mais do que os políticos profissionais. Claro que era uma construção, uma vez que ele, um político profissional, especializou-se em ficar com parte do salários de funcionários fantasmas nos gabinetes da família.

Quando esse personagem apareceu em um esquema que envolveu almirantes, sargentos, tenentes, coronéis e até um general para importar ilegalmente joias dadas de presente ao Brasil, depois usar todo o peso do governo fim de pressionar auditores da Receita Federal a liberarem a carga, daí mandar para fora e vendê-la nos EUA, muitos ficaram constrangidos de defendê-lo.

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Assim como Trump, Bolsonaro construiu sua imagem atacando a esquerda por corrupção, mas agiu de maneira descarada ao aceitar presentes de regimes autoritários e tentar lucrar com eles. Enquanto pregava transparência, ele mesmo ocultou joias milionárias e as tratou como propriedade privada.

A corrupção não é um mal exclusivo da esquerda ou da direita. O que existe, porém, é uma hipocrisia gritante na narrativa da extrema direita, que se apresenta como purificadora da política enquanto se envolve em esquemas tão ou mais graves do que aqueles que denuncia.

Enquanto Trump pode embolsar um avião de mais de R$ 2 bilhões e Bolsonaro escondeu joias para vender nos EUA, fica claro que seu discurso anticorrupção serve apenas para enganar seus seguidores.

A verdadeira luta contra a corrupção exige coerência, transparência e o fim da moralidade seletiva. Antes de apontar o dedo para os outros, a extrema direita deveria olhar para seus próprios líderes — e para os luxuosos presentes que recebem. Ou, para facilitar, cito Mateus, capítulo 7, versículo 3, que sempre é usado por esses grupos: "Por que observas o cisco no olho do teu irmão, e não atentas para a trave que está no teu próprio olho?"

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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