Wálter Maierovitch

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Opinião

Gilmar e Nunes usam jurisprudência absurda para tentar salvar Collor

O STF (Supremo Tribunal Federal) já criou musculatura suficiente para exibir. Assim, passou a ser temido e tornou-se o mais forte poder do Estado nacional. Tem até Xandão, como capitão do Supremo do time repressor.

Gato escaldado, o presidente Lula submeteu-se e se tornou íntimo de alguns supremos ministros. Prepara até churrasco para eles, certamente sem tubaína, bebida oferecida pelo ex-presidente Bolsonaro para dizer como os seus supremos escolhidos, Kassio Nunes Marques e André Mendonça, deveriam votar no STF.

Para se ter ideia, o submisso Lula até atendeu dois ministros, Gilmar Mandes e Alexandre Moraes, na escolha do procurador-geral da República.

Os novos presidentes da Câmara e do Senado abandonaram a competência exclusiva de legislar e, com receio do STF, elaboraram uma fórmula legal para reduzir sanções excessivas impostas à raia miúda, usada no 8 de janeiro como massa de manobra, no golpismo engendrado e para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro. Mais, a fórmula legal, de 'lege ferenda' (da lei futura) possui, felizmente, salvaguardas sociais para evitar anistia ao golpista Jair Bolsonaro.

Num resumo do resumo, a garantia constitucional da igualdade entre poderes, cada um independente e autônomo, sem perda da harmonia, não existe mais. O STF, perante os demais, virou o gigante Pantagruel, tomado como exemplo o nome de um dos gigantes da obra de François Rabelais, elaborada por esse escritor francês no século 16.

O nosso constitucional sistema de freios e contrapesos, o conhecido "checks and balances", de mútuo controle, enferrujou.

As lições dos antigos juristas perderam atualidade e isto quando ensinavam tratar-se o STF de poder desarmado: sem armas e sem exército, até sem modelo de gendarmeria cantonal suíça, solução dada quando os papas abdicaram dos seus exércitos.

Desarmado, alertavam os pranteados juristas, mas forte pela força ético-moral das suas decisões, sempre constitucionais, consoante a melhor técnica jurídica.

Jurisprudência Maluf-Lalau

A condenação do ex-presidente Collor de Mello, por corrupção e lavagem de dinheiro, não será alterada quanto à sua culpabilidade, responsabilização criminal.

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Mas nem o superpoder do STF livrou-se do velho vício de proteger os potentes e ex-poderosos: Collor de Mello é um gênero dessa espécie de potente e ex-poderoso.

Collor, um "ladrão de carteirinha" como se diz no popular, não conseguiu a almejada absolvição. As provas não permitiam, apesar dos contorcionismos do ministro Gilmar Mendes, a sustentar ser caso de absolvição.

O ministro Moraes, tecnicamente, acertou em cheio ao não admitir o processamento, por protelatório, dos embargos infringentes. Esse recurso, com base nos votos vencidos, admitiria a reabertura da discussão sobre a absolvição. Cuidava-se, entretanto, de repetição de argumentos já apreciados, à saciedade.

No passado, o antigo prefeito e governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo usou, por vários anos, recursos protelatórios para não ir para a cadeia. Quando a opinião pública protestou, o STF deu um basta e Azeredo foi encarcerado.

Uma nova rota de fuga do cárcere

De repente —e para espanto geral e da imprensa pela "bola nas costas"—, passou-se a saber do estado de saúde grave de certos condenados. Alguns quase terminais.

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Paulo Maluf, com atestados médicos, arrancou uma decisão considerada humana. Foi cumprir pena em casa, no lar doce lar, na sua mansão. Com isso, teve sobrevida e ainda está entre nós.

O juiz trabalhista apelidado de Lalau, que entrou para o Judiciário trabalhista sem concurso público, também apresentou-se com o "pé na cova".

Lalau foi para casa, onde viveu, em sistema de prisão albergue domiciliar humanitário, muitos anos. Os seus vizinhos gostaram da solução da prisão domiciliar para Lalau: uma viatura policial ficava na rua, em frente à casa do juiz. Para os vizinhos, isso afastava os ladrões, muito ativos naquele bairro de ricos.

Pelo acenado pelo ministro Moraes, o moribundo Collor pode sair da cadeia. Moraes determinou a juntada de atestados médicos a comprovar o grave, e até então desconhecido, estado de saúde de Collor.

Enfim, Collor, que tentou absolvição e até redução de penas para a prescrição da ação com relação ao crime de corrupção passiva (embolsou R$ 20 milhões), parece estar a caminho do lar doce lar, com vista privilegiada para o mar.

Jurisprudência

Theotônio Negrão, notável advogado, jurista de respeito e autor do primeiro código de processo civil anotado com doutrina e, em especial, jurisprudência dos tribunais, sempre dizia: "Tem sempre uma jurisprudência para satisfazer o gosto da parte processual". Para rábulas, uma jurisprudência sempre ao gosto do freguês.

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A mostrar isso, o ministro Kassio Nunes Marques, no seu voto pela aceitação do recurso de embargos de Collor e determinação de imediata soltura, citou uma rara e contraditória jurisprudência.

Pela canhestra jurisprudência escolhida por Kassio, o julgador que absolveu o réu pode, se prevalecer a decisão colegiada de condenação, dosar a pena do condenado.

Em palavras simples, aquele que não responsabiliza o acusado, vota pela absolvição, impõe a pena.

Trata-se de caso típico de contradição "in re ipsa". A absolvição não gera punição. Como condenar um considerado inocente no voto? A resposta: com artes do mitológico ladrão Procusto e leguleios jurídicos estapafúrdios.

A propósito, o Código Penal distingue o tipo, a definição legal do crime, da pena. E o referido Código Penal estabelece, ao criminoso responsabilizado, sanções, em preceito complementar.

O ministro Gilmar Mendes, que também absolveu Collor e ficou vencido, entendeu poder dosar as penas daquele, para ele, inocente.

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Por evidente, escolhe-se a pena mínima. No caso Collor de Mello, pena geradora de prescrição da ação penal, mais tecnicamente, da prescrição da pretensão de punir do Estado-nação.

Num pano rápido. No STF, ministros mostram, com a musculatura adquirida, que podem tudo. Aí nascem entendimentos que até Deus duvida.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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