Carlos Madeiro

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Reportagem

Deputado do PL sugere criação de javalis para obter armas contra invasores

Líder do movimento Pró-Armas, o deputado federal Marcos Pollon (PL-MS) sugere a donos de propriedades rurais a criação de javalis ou a implementação de clubes de tiro nas fazendas para justificar a compra de armas de grosso calibre para usá-las na defesa das terras em caso de invasões.

A fala foi feita durante o 1º Fórum Nacional do Movimento Invasão Zero, em Ilhéus (BA), no último dia 7. Durante cinco horas, ruralistas e políticos criticaram a "omissão" do poder público e debateram alternativas de defesa das propriedades contra o que chamam de "movimentos terroristas". O evento foi transmitido online, mas o link foi apagado dias depois.

Para especialistas consultados pela coluna, a tática ensinada pelo deputado é uma forma de burlar a lei, já que essas armas são registradas pelo Exército para os chamados CAC (caçador, atirador ou colecionador). As armas para defesa pessoal ou de propriedades são liberadas apenas pela PF (Polícia Federal), através de outro sistema de registro, que não permite a aquisição de grosso calibre.

Sem aval da Justiça, o "Invasão Zero" ganhou força no campo com retomadas de terras feitas por homens armados.

"São grupos que se organizam para a prática de crimes e atuam à margem do Estado, muitas vezes com o envolvimento de policiais. É um cenário que nos preocupa e que merece ter uma abordagem penal", afirma o procurador Julio José de Araujo Junior, coordenador do grupo de trabalho sobre Reforma Agrária e Conflitos Fundiários no MPF.

22.jan.24 - Grupo "Invasão Zero" reuniu fazendeiros da região para expulsar indígenas que ocuparam fazenda en Bahia
22.jan.24 - Grupo "Invasão Zero" reuniu fazendeiros da região para expulsar indígenas que ocuparam fazenda en Bahia Imagem: Reprodução

O que falou o deputado

Marcos Polon afirma que "há mais de 10 anos" dá um curso voltado à "defesa armada da propriedade rural". Como teve direito a apenas 15 minutos de fala no evento, ele fez um resumo e prontificou-se a mandar uma versão a quem mandasse o e-mail para cadastro —o curso, disse, está em atualização por conta das mudanças na lei e deve retornar até o fim do mês.

De início, ele sugere uma "área regulamentada para manejo de javali para realização da caça". "Isso te autoriza a transitar no interior da propriedade armado, com armas de um calibre superior. Ou ainda criar dentro da sua área um clube de tiro", explica.

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Ele cita que armas de tiro esportivo ou caça "não têm como objetivo a defesa pessoal". "No entanto, em um cenário de agressão iminente ou injusta que pode custar a sua vida ou a vida de outras pessoas, você pode usar toda e qualquer ferramenta rápida para o exercício de legítima defesa."

O que eu quero dizer com isso: se eu estou efetuando o manejo de javali e presencio uma cena onde invasores pretendem matar um empregado meu utilizando ferramentas --enxada, facão, essas coisas--, eu posso usar de força letal para salvar essa vida. Veja, eu estou salvando uma vida a custo do uso de uma ferramenta letal, então é muito importante dentro desse cenário você entender qual é a extensão do desforço imediato.
Marcos Pollon

O chamado desforço imediato seria uma reação rápida para desocupação de terras, sem a necessidade de uma ação judicial.

Se a violência aconteceu segunda-feira, você ficou sabendo na quinta, e no domingo você reuniu força para tirar os invasores, ainda tá dentro do prazo, contando que faça logo dentro dessa dinâmica: você pode remover as construções precárias, você pode utilizar de força progressiva para tirar os invasores.
Marcos Pollon

Mas ele faz uma orientação aos ruralistas: "Se você disser que vai utilizar meios letais para defender a propriedade rural, tecnicamente está errado. Então você vai defender a vida com o custo, eventualmente, de meios letais. O resultado morte jamais é pretendido ou sequer assumido o risco".

Evento do "Invasão Zero" em Ilhéus (BA)
Evento do "Invasão Zero" em Ilhéus (BA) Imagem: Reprodução
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Críticas à fala

A diretora de projetos do Instituto Sou da Paz, Natália Pollachi, lembra que registro de armas para legítima defesa é uma premissa da PF. Nesse caso, diz, o interessado deve apresentar documentação específica e justificativa de necessidade individualizada.

"No caso da PF, há uma análise caso a caso. Mas ter uma propriedade rural ou morar em um local muito ermo, sem acesso a serviços de segurança pública, pode ser considerada como uma dessas justificativas de necessidade [de ter arma]", explica.

Natália diz que a ideia de usar o javali ocorre porque é o único animal legalmente autorizado para caça no país, mas que necessita de uma série de condicionantes de órgãos ambientais. "Usar o CAC para defesa de patrimônio é um desvio, digamos, de finalidade em relação à intenção da legislação", aponta.

Usar esta arma para uma legítima defesa à sua vida não é ilegal; porém, incentivar que pessoas adquiram esses registros para poder exercer, utilizar essas armas numa situação hipotética de legítima defesa é de certa forma um incentivo, aí sim é um desvio de finalidade.
Natália Pollachi

Segundo Roberto Uchoa, membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a fala de Pollon "não surpreende", já que desde 2017 o sistema para CAC tem sido usado por pessoas com interesse em se armar, e não em caçar, colecionar ou atirar esportivamente. "A partir dali começam a pipocar clubes, que passam a receber uma turma que vai pela arma, não pelo esporte".

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Rogério critica a hipótese levantada pelo deputado de que a arma pode servir para defesa de uma pessoa em uma invasão. "Isso é roteiro de novela mexicana tipo C", compara.

"É muito mais fácil um javali atacar durante uma caça, do que uma pessoa atacar. Essa hipótese não tem lógica. O que ele quer, na verdade, é uma justificativa [para ter as armas], já que a primeira coisa que o policial pergunta numa situação dessas é porque a pessoa estava armada", pontua.

Ele explica ainda que, desde 2023, o porte de trânsito para CAC está proibido, o que justifica a ideia de ter javali ou clube de tiro em fazendas. Entre 2017 e o governo Bolsonaro, diz, era permitido aos CACs andar armado sob justificativa de necessária defesa das armas.

Era porte para defesa das armas, a coisa mais esdrúxula e que não existe em nenhum país. Em 2023, no primeiro decreto, Lula acaba com isso, e nenhum CAC pode mais circular com arma para uso. Então o que ele propõe é uma burla descarada do propósito de ser CAC.
Roberto Uchoa

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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