Reforma do Código Civil abre brecha para 'pensão da sogra' após divórcio
A reforma do Código Civil abre caminho para que familiares do ex-cônjuge tenham direito à pensão após a separação do casal.
O que aconteceu
Proposta do novo Código Civil quer ampliar número de pessoas que podem receber pensão após divórcio. "Igualmente devem os ex-cônjuges e ex-conviventes compartilhar as despesas destinadas à manutenção dos filhos e dos dependentes, bem como as despesas e encargos que derivem da manutenção do patrimônio comum", afirma o artigo 1.566 do projeto.
Sem definição legal, dependentes podem ser os parentes do ex-cônjuge, como sogra, cunhado e enteado. A proposta de mudança leva em conta o conceito de "parentesco por afinidade" ao considerar que o homem ou a mulher não deixam de ter vínculo com o sogro, a sogra, a enteada e/ou enteado e irmãos do ex-cônjuge após a separação do casal.
Familiares do marido ou da esposa podem pedir assistência com base na "solidariedade familiar". Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a lei prevê que a fixação de alimentos no direito da família acontece pela "solidariedade familiar", quando ascendentes, descendentes e colaterais podem pedir pensão.
No código atual, só os filhos têm direito à pensão após o divórcio, sem menção nenhuma a dependentes. A pensão para os filhos é obrigatória até o momento em que eles chegam à maioridade, aos 18 anos, ou até os 24 anos, se estiverem estudando e não tiverem condições de se sustentar.
Pensão é prevista para ex-cônjuge em casos excepcionais. O pagamento é devido quando há necessidade comprovada, sendo geralmente temporária para permitir que a pessoa se reintegre ao mercado de trabalho.
Se aprovada do jeito que está, proposta precisará de regulamentação, defende especialista. "Não sabemos o que são dependentes. Não tem na lei. São dependentes previdenciários? Dependentes para fins de imposto de renda? Ou aquele que simplesmente depende financeiramente?", questionou a presidente da Comissão de Advocacia de Família e Sucessões da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Silvia Felipe Marzagão.
Intenção é interessante, mas falta de definição técnica será um entrave à lei, afirma Silvia. "A grande questão é: a falta de uma definição técnica do que é um dependente."
Além da sogra ou do sogro, outros familiares que são parte do "parentesco por afinidade" também poderão pedir pensão. "Você se divorcia e vem a cunhada ou cunhado pedir auxílio. Se passar, vai dar margem para muita discussão. O elemento probatório vai ser o mais importante. A primeira coisa que vai ter que ser provada é o vínculo e dependência econômica", explica Alessandro Amadeu da Fonseca, sócio da Mattos Filho e presidente da Ibrapp (Instituto Brasileiro de Planejamento Patrimonial).
Conceito de dependente tem natureza econômica e precisará ser debatido, defende Amadeu. "Se eu pago o plano de saúde da minha sogra e do meu sogro e me separo, pela nova regra, o termo 'dependente' configuraria o direito para eles pedirem [esse pagamento] mesmo depois do divórcio."
Reforma ou novo código?
Proposta altera 54% dos artigos do texto atual. A responsabilidade por animais de estimação em caso de separação, o destino de bens digitais após a morte do dono e a possibilidade de expulsão de moradores antissociais de condomínios são alguns dos temas tratados — assim como outros direitos e deveres do cidadão.
"Principal objetivo é destravar", diz relator da proposta de reforma. Ao UOL, Flávio Tartuce afirmou que a necessidade de atualização foi o que motivou a elaboração do texto e negou que a reforma resultará numa versão inteiramente nova do código, caso seja aprovada.
"Reforma é necessária, mas proposta traz conceitos muito subjetivos", diz advogada. Para Aracy Barbara, sócia do VBD Advogados, a falta de clareza em alguns trechos do projeto poderá dar margem a diferentes interpretações sobre um mesmo ponto pelos juízes no futuro — o que é visto como problemático.
"Há uma polarização contraproducente em relação ao texto", afirma Márcio Opromolla. De acordo com o advogado do escritório LDCM, o debate sobre o tema tem sido "muito acalorado e radicalizado". "Nunca vi uma discussão tão acirrada e radical como essa que estamos tendo agora", disse ele.
Tramitação da proposta, já protocolada no Senado, deve começar com a criação de uma comissão especial. Contudo, o UOL apurou que não há prazo para o colegiado ser criado e instalado.
A comissão especial é a primeira etapa de tramitação. Uma vez aprovado lá, o projeto deve percorrer as comissões permanentes, como a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), para depois chegar ao plenário.