Kotscho: O pior Congresso da história só quer sangrar o governo
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Final dos anos 1980. Na antessala do gabinete de Luiza Erundina, primeira mulher eleita prefeita de São Paulo, sindicalistas aguardam uma audiência para pedir aumento dos salários de motoristas e cobradores. Numa outra sala, dirigentes do PT esperam para dizer a Erundina que o partido é contra o aumento das passagens de ônibus.
"Como é que eu faço?", pergunta-me a atarantada prefeita no final do expediente, quase chorando. "Sem aumentar as passagens, como posso dar aumento?".
A conta não fechava. Mal comparando, é mais ou menos o que está acontecendo agora na conturbada relação do presidente Lula com o Congresso Nacional, o pior que já tivemos na história. Ulysses Guimarães, o presidente da Câmara que comandou a Constituinte de 1988, choraria de vergonha. A cada nova legislatura as coisas só pioraram, como ele previu.
Na mesma semana, os parlamentares votam urgência para derrubar o aumento de arrecadação com o IOF e exigem o corte de despesas no arcabouço fiscal, enquanto aumentam o Fundo Partidário e o número de deputados (de 513 para 531), e agora ainda querem acumular seus salários com as aposentadorias. Ou seja, ao mesmo tempo em que defendem cortes no orçamento, só fazem aumentar as despesas. São uns pândegos.
No meio dessa disputa insana, Fernando Haddad, o ministro da Fazenda, que trabalhou no governo de Erundina, saiu de férias, e o presidente Lula, ao retornar da França, foi dar um pulo no Canadá para participar da reunião do G7. Na volta, liberou R$ 1,6 bilhão em emendas parlamentares, o verdadeiro motivo da conspiração parlamentar.
Em São Paulo, esta semana, numa reunião fechada com o mercado financeiro no auditório do banco BTG Pactual, o presidente do PP, Ciro Nogueira, ex-ministro de Bolsonaro, falou dos planos da oposição. Um áudio vazou e foi divulgado pelo ICL Urgente, revelando o que está em jogo neste momento.
Para ele, o governo Lula 3 já acabou, mas não é o caso de impeachment, o que seria traumático. "Uma coisa é tirar a Dilma, que tinha 7% de aprovação, outra é o Lula, que ainda é apoiado por 30% da população", justificou. E deu o plano de voo: fazer o governo sangrar até a eleição de 2026 para Lula não ser candidato a mais uma reeleição.
Pois é exatamente isso que o Congresso resolveu fazer, a um ano do início da campanha presidencial, impedindo o governo de governar. Lula sentiu o cheiro de queimado e, em entrevista ao Mano Brown, avisou que não vai recuar na questão do IOF. "Nós não podemos ficar cedendo sempre ao Congresso".
O fato é que o governo perdeu o controle do orçamento e não consegue impor sua pauta econômica no momento de menor popularidade do governo. De repente, reapareceu em cena Arthur Lira, ex-presidente da Câmara, pai do orçamento secreto e presidente da comissão que vai deliberar sobre a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, principal projeto do governo para os meses que lhe restam de mandato.
No final de semana, Lira acompanhou Hugo Motta, o presidente da Câmara que deixou em seu lugar, numa reunião com Lula no Palácio da Alvorada. Até estranhei, mas dias depois entendi: as Alagoas de Lira foram o estado mais beneficiado na liberação das emendas. O jovem Motta, cria de Lira e de Eduardo Cunha, que representam o que há de mais arcaico no coronelismo rural e urbano, virou símbolo da "renovação" na política.
É disso que tudo trata: dinheiro para irrigar as campanhas eleitorais. Divergências políticas e ideológicas à parte, o que realmente move este Congresso é o fisiologismo, o cada um por si e o país que se dane.
Quem manda no Parlamento é o centrão, aliado ao bolsonarismo. E quem manda no centrão são os lobbies das bancadas temáticas BBB (boi, bíblia e bancos) que se uniram para cevar um candidato anti-Lula num neobolsonarismo sem Bolsonaro. O resto é acessório e passageiro.
Base aliada e "frente ampla" nunca existiram de verdade. São peças de ficção. O velho Lula está num mato sem cachorro. Ciro Nogueira já deu as coordenadas. Vida que segue.
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