Trump x Moraes: o que é a Lei Magnitsky e por que surgiu no governo Obama?

O Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou em audiência no Congresso americano na quarta que "há grande possibilidade" de que o governo republicano de Donald Trump aplique sanções contra o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes. A informação é da AFP.

Que lei é esta?

Aprovada em 2012 e ampliada em 2016, a Lei Magnitsky permite que os EUA apliquem sanções unilaterais contra estrangeiros acusados de corrupção grave ou violações sistemáticas de direitos humanos. As punições incluem o bloqueio de bens em solo americano, o congelamento de contas e outras transações pelo sistema financeiro dos EUA, além de proibição de entrada no país. Não há necessidade de processo judicial — basta uma decisão do Executivo com base em relatórios ou documentos de organizações internacionais, imprensa e testemunhos.

O ato foi criado ainda no governo Obama em resposta à morte do advogado Sergei Magnitsky, que havia denunciado um esquema de corrupção envolvendo autoridades fiscais russas antes de morrer na prisão em Moscou. A legislação surgiu como instrumento para punir os envolvidos no caso.

A ofensiva contra Moraes ganhou corpo após a viagem de Eduardo Bolsonaro aos Estados Unidos. O deputado tentou convencer parlamentares republicanos a adotarem sanções contra o ministro com base na Lei Magnitsky. A atuação foi vista como parte de uma estratégia para internacionalizar o embate político e pressionar o Judiciário brasileiro com apoio externo.

Musk, entre outros nomes conservadores, passaram a defender a aplicação da lei contra Moraes desde então. A sugestão, no entanto, é vista por especialistas em direito internacional como um desvirtuamento da legislação.

Na prática, o ministro poderia perder cartões emitidos por bancos americanos, ter o acesso a pagamentos por Google Pay e Apple Pay bloqueados, além de ser monitorado por empresas americanas como o Google para garantir que ele não está contornando as sanções, segundo a legislação. Empresas e cidadãos americanos ficam impedidos de negociar com Moraes, mas não há previsão de sanção para pessoas ou entidades internacionais.

Segundo o texto da própria legislação americana, as sanções se aplicam a responsáveis por execuções extrajudiciais, tortura, detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e outras violações flagrantes dos direitos à vida, à liberdade e à segurança. A definição de "graves violações" está ancorada em tratados internacionais e exige conduta sistemática. Também podem ser punidos agentes que reprimem denúncias de corrupção ou impedem o trabalho de jornalistas e defensores de direitos.

As sanções podem ser impostas com base em provas não judiciais, mas precisam de fundamentação plausível. A medida é executiva e envolve o Departamento de Estado, o Departamento do Tesouro e a Ofac (Office of Foreign Assets Control), órgão responsável por incluir nomes na chamada SDN list, que bloqueia o acesso ao sistema financeiro americano.

Já houve precedentes contra membros do Judiciário, mas apenas em regimes autoritários. A lei foi usada contra magistrados russos e contra autoridades da Turquia e de Hong Kong, em casos que envolviam perseguições políticas, julgamentos fraudulentos ou repressão estatal institucionalizada.

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No caso brasileiro, os especialistas veem fragilidade nas alegações e risco de uso político da lei. Em março, o advogado especialista em direito internacional Daniel Toledo declarou ao UOL que decisões judiciais polêmicas não configuram, por si sós, violações de direitos humanos. "Sem um padrão sistemático de repressão, seria uma aplicação extremamente controversa".

As sanções, mesmo que aprovadas, não teriam efeitos automáticos fora de território americano. Embora o bloqueio de contas nos Estados Unidos seja imediato, a propagação dos efeitos dependeria da cooperação de bancos estrangeiros. "O congelamento fora dos EUA só ocorreria se instituições financeiras locais decidissem seguir as diretrizes americanas", explica Toledo.

Sanções contra Moraes podem criar tensões diplomáticas entre Brasil e EUA e evidenciar disputa global sobre regulação das Big Techs. O Judiciário brasileiro tem sinalizado disposição para enfrentar essas plataformas, enquanto os EUA, especialmente na atual administração, não demonstram interesse em regulá-las.

O que aconteceu

Rubio já fez outras críticas a Moraes e considera sua atuação no STF como violação de "valores democráticos". Agora, o Secretário de Estado sinalizou ao Congresso que "está sob análise" a aplicação de punições ao ministro com base no Ato Magnitsky, uma lei que tem o potencial de congelar bens de Moraes nos EUA e barrar suas viagens ao país, acusando-o de "abusos de direitos humanos" ou "corrupção".

Governo Trump está insatisfeito com as decisões judiciais de Moraes em relação ao X, plataforma de Elon Musk, aliado do presidente. Musk, que também comanda o Doge (Departamento de Eficiência Governamental, órgão não oficial do governo federal dos EUA), é um crítico ferrenho de Moraes.

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O ministro ordenou em agosto de 2024 o bloqueio do acesso ao X e ao sinal de internet via satélite da Starlink no Brasil até que Musk obedecesse às ordens judiciais de suspensão de perfis de investigados por disseminação de desinformação e ataques às urnas eletrônicas. Além disso, o bilionário teve que pagar milhões em multas ao judiciário brasileiro e reestabelecer um representante no Brasil de sua empresa, conforme a legislação exige. Musk chegou a fechar o escritório durante o embate com Moraes.

Musk acusa o ministro de censura; Moraes defende que agiu para proteger a democracia brasileira, especialmente após os ataques de 8 de janeiro de 2023. A tentativa de golpe teve similaridades com o ataque ao Capitólio por apoiadores de Trump em 6 de janeiro de 2021, depois que o atual presidente lançou dúvidas a respeito da eleição de Joe Biden.

Em abril, o Comitê de Assuntos Jurídicos da Câmara dos EUA, de liderança republicana, divulgou um relatório em que aponta que Moraes promoveria censura no Brasil. O texto ainda diz que o ministro deu "superpoderes" a si mesmo. Um mês antes, Musk já havia opinado que as condenações daqueles que atacaram Brasília em 8 de janeiro eram "muito superiores ao crime", uma tese defendida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que pede anistia aos crimes da tentativa de golpe.

*Com informações de matéria publicada em 24/03/2025.

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