Recebem estranhos a flechadas: como é o 'povo mais isolado do mundo'
Colaboração para o UOL*
09/04/2025 05h30
Um americano de 24 anos foi preso na última semana após entrar na ilha Sentinela do Norte, na Índia, ao tentar manter contato com o povo que habita a região. Segundo as autoridades, Mykhailo Viktorovych Polyakov entrou na ilha com um coco e uma lata de Coca-Cola Diet.
O território, que é lar da população indígena mais isolada do mundo, é rodeado por uma série de regras que buscam manter a tradição dos habitantes locais e é considerado um dos mais isolados do mundo - a exemplo de muitas populações ainda reclusas na Amazônia.
Como é a ilha Sentinela do Norte
As ilhas Andaman e Nicobar, no Oceano Índico, são um território sob responsabilidade da Índia e constituído por 572 pequenas ilhas. Neste conjunto de ilhas vivem diferentes aldeias indígenas, como os "sentineleses", termo que se refere aos habitantes da ilha Sentinela do Norte, a cerca de 88 quilômetros do porto de Port Blair e a menos de duas horas via lancha de Wandoor.
Na região, cerca de 86% da área florestal é protegida. Com pouco mais de 59 quilômetros quadrados, a ilha Sentinela do Norte é demarcada como uma reserva sob o Regulamento de Proteção de Aldeias Aborígenes de 1956. A demarcação evita qualquer interação entre pessoas não autorizadas e o grupo que vive no local, além de delimitar um perímetro de 9,26 km (o equivalente a 5 milhas náuticas) que não pode ser ultrapassado por estrangeiros.
A Guarda Costeira da Índia monitora a região. Uma equipe da administração das ilhas Andaman e Nicobar também conduz a fiscalização da ilha Sentinela do Norte. As autoridades locais buscam evitar a caça ilegal, a invasão de propriedade e outras atividades ilegais frente às regras que regem o local, para preservar o modo de vida da população indígena e evitar a introdução de doenças.
Detalhes da ilha são pouco conhecidos
A curiosidade sobre o modo de vida na região mobiliza especialistas. A pesquisa "Contatos Sentineleses: revisitando antropologicamente os mestres mais reclusos da terra incógnita Ilha Sentinela do Norte", publicado na revista Nature em novembro de 2024, foi conduzida por cientistas sociais e antropólogos da Índia. O estudo explica, por exemplo, que o rótulo "Sentinelese" não é uma denominação feita pela própria população, e sim por pesquisadores e administradores que se dedicam a estudar os costumes locais, sendo um termo "etimologicamente derivado do nome da ilha".
Eles são o grupo de pessoas mais bem constituído e recluso, sem afinidade com populações vizinhas do mesmo arquipélago. A partir de contatos anteriores, é evidente que eles ainda dependem de ferramentas da Idade da Pedra, como arcos, flechas de metal e enxós [instrumento composto por um cabo com uma chapa de aço cortante na ponta, geralmente utilizado no manejo de pedaços de madeira], tornando-os caçadores-coletores dos tempos modernos
Estudo publicado na revista Nature
Conhecido por não corresponder a tentativas de contato externo, o povo local é considerado hostil com eventuais visitantes. Cerca de 200 pessoas moram na ilha Sentinela do Norte, e a língua, as práticas sociais e os conhecimentos tradicionais são pouco conhecidos pela comunidade internacional. Sem abertura para a presença de pessoas desconhecidas, os "sentineleses" costumam receber estrangeiros com flechas e lanças.
Segundo os pesquisadores, uma série de tentativas de contato com o povo da ilha foi realizada ao longo das últimas décadas. Na primeira ida à ilha, datada de março de 1970, uma equipe de estudiosos levaram alimentos como peixes, coco e bananas. "[Na ocasião] Cerca de 20 indivíduos foram avistados ameaçando atirar flechas", diz o estudo.
O relato mais recente, conforme a pesquisa, data do final de 2022. À época, três pescadores se aproximaram da ilha de forma não-proposital "e nunca mais retornaram". "O barco deles foi avistado na Ilha Sentinela do Norte pelos pescadores locais e pela administração das ilhas Andaman e Nicobar. Uma estrutura semelhante a uma bandeira também pode ser vista perto do barco deles", explica a pesquisa. "Nesse contexto, a bandeira pode ter sido o sinal de socorro ou o local onde eles foram enterrados pela aldeia 'sentinelese' após um breve encontro". De acordo com os especialistas, este caso continua sem solução.
A população da ilha depende exclusivamente da natureza para sustento e sobrevivência. Pequenos abrigos de palha de palmeira com quatro postes de madeira foram flagrados no local. Segundo os pesquisadores, os "sentineleses" se movem em grupos entre três a 18 pessoas para caçar e defender o território.
Os habitantes das Ilhas Sentinela do Norte, equipados com seu sistema de conhecimento indígena único moldado por seu nicho ecológico, podem ser muito superiores a qualquer outra maquinaria científica desenvolvida por meio da ciência e da tecnologia.
studo publicado na revista Nature
*Com informações da AFP