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Opinião

Como R$ 3 bilhões mudarão Paraisópolis, símbolo da desigualdade paulistana

Em 1995, na novela global "A Próxima Vítima", a atriz Natalia do Valle viveu uma personagem que era conhecida como "a Bonitona do Morumbi". Naquela época, o bairro ainda era sinônimo de lugar sofisticado, mas já começava a sofrer o preconceito de ter, em seu miolo, a comunidade de Paraisópolis.

A Helena de Silvio de Abreu morava em um apartamento que era sempre mostrado do alto, por imagens aéreas. Cada um, em sua varanda, ostentava uma piscina individual para a unidade. Era um luxo só. Mas já havia embutida uma crítica social.

O edifício, na avenida Giovanni Gronchi, era o limite entre quarteirões arborizados e de apartamentos enormes com pequenas casas amontoadas, sem acabamento, monocromáticas, na cor de blocos aparentes sem reboco.

Hoje, o prédio da Bonitona tem poucos moradores e muitas unidades vazias. Ninguém quer mais, do terraço, ter vista para a favela, que cresceu desordenadamente e hoje se espreme e se espraia por onde acha um lugar.

Já são quase 100 mil pessoas, em uma área de 828 mil m², mais povoada que Heliópolis, Rocinha ou Complexo da Maré, no Rio. Se fosse uma cidade, entre os 645 municípios de São Paulo, seria a 56ª maior, logo atrás de Botucatu e à frente de Caraguatatuba.

Paraisópolis tem uma relação tensa com o Morumbi, e os vizinhos apenas se suportam.

A diferença é até de clima: separados apenas por uma avenida, Paraisópolis tem a temperatura do inferno em algumas épocas do ano e é até 5ºC mais quente.

Volta e meia a panela de pressão explode, como aconteceu há cerca de duas semanas, depois que a PM matou, em confronto, um membro da comunidade, que a polícia dizia ser integrante do PCC.

Apesar de ser uma minoria, entre tanta gente do bem que vive ali, o crime organizado está incrustado nas entranhas da favela e beneficia-se de suas vielas, caminhos estreitos e escondidos, ruas escuras, casas semiacabadas, e de um baile funk concorrido, em que há frequentadores da classe média alta paulistana.

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Onde o Estado falta, o crime se instala, se estabelece e se beneficia.

Não que haja a ausência de todo e qualquer equipamento público. Não. São 5 escolas, unidades de saúde e até um ambulatório bancado pelo Hospital Albert Einstein. No entanto, todas as carências de uma favela estão também ali presentes, principalmente a paisagem urbana.

Mas pode melhorar. Para isso, a prefeitura vai tirar a mão do bolso.

Estamos falando de um investimento de quase R$ 3 bilhões —R$ 2,8 bi nos próximos quatros anos, para ser mais exato. Trata-se do projeto Raízes (Rede de Ação Integrada Zona Sul), uma extensão da Operação Urbana Faria Lima.

Criada em 1995, com a venda de potencial construtivo naquela região, por meio de títulos, os Cepacs, a Operação Faria Lima permitiu o prolongamento da avenida de mesmo nome até a Vila Olímpia e um boom imobiliário no trecho do cruzamento com a Juscelino Kubitschek.

O dinheiro arrecadado só podia ser aplicado em melhorias na própria região abrangida pela intervenção. Contudo, no ano passado, a Câmara Municipal aprovou uma lei autorizando a prefeitura a usar parte dos recursos para melhorias em 3 comunidades: Paraisópolis, além de Jardim Colombo e Porto Seguro, que ficam na mesma região do Morumbi.

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O programa já começou e está dividido em 4 frentes: Infraestrutura, Habitação, Equipamentos e Meio Ambiente.

A primeira previsão é a troca do calçamento de ruas e calçadas novas. Está no papel até um caminho seguro e aprazível, que atravessa a favela e permite que crianças possam ir a pé e sozinhas para a escola, sem ter que atravessar ruas e correr riscos em vias movimentadas, como um calçadão.

A CET também vai ter que entrar na comunidade —nem que seja pela primeira vez. Hoje os ônibus passam em ruas estreitas, duas mãos e com autorização de estacionamento em ambos os lados. Não raro, o carro em sentido contrário tem que dar ré. Vai ter que organizar. Há estudos até para um estacionamento vertical gratuito.

Duas avenidas serão construídas, com o mínimo de desapropriações possível: um eixo Leste-Oeste e um Norte-Sul, cortando a favela e melhorando a mobilidade em toda a região do Morumbi.

Na parte de trás de Paraisópolis, a avenida Hebe Camargo, hoje subutilizada por causa do medo da violência de quem passa ali, será estendida até a avenida Jorge João Saad, dando acesso rápido à estação São Paulo-Morumbi da linha Amarela do metrô e ao estádio do Morumbis.

Além disso a avenida terá os fios enterrados, corredores de ônibus, faixa azul e "calçada generosa".

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Os investimentos terão impacto importante no caótico trânsito do Morumbi. A av. Hebe Camargo poderá ser uma alternativa para a congestionada av. Giovanni Gronchi, que também pode passar por melhoramentos.

A iluminação pública por led, como já existe no resto da cidade também será instalada nas ruas internas de Paraisópolis. Demorou.

E o outro investimento em infraestrutura será em drenagem e melhorias no córrego do Antonico, que hoje corre a céu aberto na favela, e a canalização do córrego Colombo.

A Sabesp também fará um mutirão de ligações das casas ao sistema de esgoto. Cerca de 30% das moradias ainda jogam in natura nos pequenos riachos que cortam a área, que por sua vez depois desembocam no rio Pinheiros.

Além disso, as redes coletoras são antigas e serão trocadas para dar conta da nova demanda.

Na frente de habitação, o projeto tem o defeito de não entrar na questão da autoconstrução, aqueles prédios de 3, 4 andares, que foram erguidos sem projeto adequado, às vezes sem projeto nenhum, e sem alvará.

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O plano também não prevê a verticalização de toda a favela, apesar da construção de prédios, que beneficiarão famílias hoje morando em área de risco dentro da comunidade ou que vivem com aluguel social pago pela prefeitura.

Serão no total cerca de 3.000 novas unidades habitacionais, suficientes para realocar cerca de 10% dos moradores para novos apartamentos, o que é muito pouco na imensidão da comunidade, mas criarão uma cara de bairro de classe média.

Há até um projeto do arquiteto suíço Christian Kerez, que morou em Paraisópolis por alguns meses, para 450 unidades de habitação de interesse social.

Outro arquiteto que viveu na comunidade, em um dos vértices do quadrilátero de Paraisópolis, foi o eslovaco, naturalizado brasileiro Hans Broos. Em sua casa, que será recuperada, será feito um Centro Cultural, com café e restaurante.

Mas a grande atração na frente de Cultura será a Casa da Música, um local de concertos e dança para 300 jovens, a ser construído, com projeto arrojado, que vai se destacar na paisagem local. Será erguida também uma arena multiuso, onde hoje joga o time do Palmeirinha.

Duas novas UBSs e uma UPA, duas creches, uma unidade do Armazém Solidário e uma do Bom Prato também estão na lista de equipamentos a serem construídos.

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Para completar as intervenções previstas, um parque linear, do Itapaiúna, para diminuir a diferença de temperatura com o entorno, inclusive o Parque Burle Marx.

Tudo tem que ser feito de comum acordo com os moradores.

Se o prefeito Ricardo Nunes buscava uma marca de governo, encontrou.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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