Humilhação, maus-tratos e pesadelo: brasileiro relata ao UOL prisão nos EUA
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"Humilhante." É assim que o estudante brasileiro Marcelo Gomes, 18, explica o que sentiu durante os seis dias em que ficou encarcerado em uma prisão nos EUA. Ele foi detido "por engano" no sábado passado (31 de maio) e preso por estar de forma irregular no país. Na quinta-feira (5), uma corte de imigração determinou a soltura do brasileiro, exigindo o pagamento de uma fiança.
Oficialmente, a polícia de imigração do governo de Donald Trump — conhecida pela sigla ICE — explicou que o alvo da operação era o pai do garoto, um brasileiro que estaria também de forma irregular nos EUA. Mas a defesa de Marcelo coloca em dúvida essa versão.
Agora, o garoto que chegou com sua família à cidade de Milford com apenas seis anos de idade conta ao UOL como foram os dias e noites fechado num centro de detenção do estado de Massachussets que foi construído para manter presos por no máximo 72 horas. Mas ele não quer se pronunciar sobre o que acha da política de migração de Donald Trump.
Em entrevista à reportagem, o estudante conta que percebeu que vinha sendo seguido por policiais desde que saiu da casa de uma amiga naquele sábado. "De repente, pararam ao lado do meu carro e mandaram eu sair. Nos EUA, isso não pode ser solicitado", diz. "Mas eu saí, com medo. Vi que a pessoa estava com uma roupa preta e pensei que era apenas um policial regular. Mas, quando olhei ao redor, vi um monte de pessoas com a roupa do ICE. Meu coração parou", conta.
Marcelo lembra que não perdeu a calma e não chorou. "Um policial colocou uma algema em mim e perguntou: 'Você sabe o motivo da prisão?', disse ele. "Eu falei que não, e ele me disse que era por eu estar de forma irregular no país. Fiquei muito triste, em choque", relata. "É a realidade. Colocam qualquer pessoa nessa situação", lamenta.
Humilhação
Horas depois, Marcelo conta que estava "num quarto pequeno com 35 homens, com latinos, russos e turcos".
Segundo ele, a coberta usada para dormir era de alumínio. "Fazia muito barulho para dormir", lembra.
Marcelo conta que havia um só banheiro para as 35 pessoas e, sobre o vaso sanitário, havia uma câmera. "Eu apenas mijei durante todo esse tempo", diz. O que incomodava o garoto que acabava de fazer 18 anos era a presença de muitos homens também dentro do banheiro.
"Era tudo muito humilhante", insiste.
"Nem cachorro aceitaria a comida"
O garoto conta que os alimentos oferecidos na prisão eram de "péssima qualidade". "Nem cachorro vira-lata comeria aquilo", diz. Um macarrão com queijo era colocado num microondas para ser esquentado e distribuído entre os detentos. "Quando abria aquela comida, parecia plástico. Era comida velha e processada", frisa.
Para garantir alguma alimentação, Marcelo apostava em bolachas que ocasionalmente eram distribuídas. "Era a única coisa que implorávamos para ter", diz.
Tratamento dos policiais: trolagem aos imigrantes
O brasileiro ainda relata como os policiais zombavam do medo dos imigrantes que estavam naquele quarto.
Marcelo narra episódios de humilhação por parte dos agentes da prisão. "Cada vez que a porta do quarto se abria, quem estava no chão se levantava, e quem estava dormindo acordava para ouvir o guarda. Era um momento de esperança. Muitos esperam por aquele momento para ver se seus nomes seriam citados e eles poderiam sair", explica.
Mas o brasileiro conta como ouviu um guarda dizer a outro: "Olha o que eu vou fazer". Ele entrou com um papel na mão, todos se levantaram, e, rindo, o segurança deixou o local sem dizer uma só palavra. "Ao deixar a sala, um deles falava: trolei eles", relata Marcelo. "Aquele lugar é muito humilhante", insiste.
Lágrimas ao anunciar deportação e mentiras
O brasileiro ainda atuou como tradutor dentro da prisão em que ficou por seis dias. Segundo ele, muitos ali não falavam inglês e recebiam documentos para assinar sem saber o que estava escrito.
Marcelo, porém, era quem tinha de dar a notícia do que diziam os documentos, muitos deles anunciando a deportação do estrangeiro. "O mais triste é quando eu sabia da história daquelas pessoas e tinha de dar a notícia: 'Você será deportado'", conta o brasileiro. "As pessoas choravam e eu chorava junto", diz.
O garoto, para evitar humilhação ainda maior daqueles adultos na sala, preferia dar a notícia sussurrando no ouvido dos estrangeiros. "Eu falava no ouvido deles", relata.
"O que me inconformava era que, no final do papel, havia a assinatura do guarda e a afirmação de que o agente havia dado a informação sobre o destino do imigrante em sua língua pátria. Era mentira", diz.
Marcelo conta que soube de apenas dois casos de crime ou ato violento envolvendo alguém do grupo de 150 imigrantes que ele conheceu no lugar. Um deles era um traficante de drogas, e o outro homem havia se envolvido numa briga depois de ficar bêbado numa festa.
Noites de oração e pesadelo
Naquela sala, nem Marcelo nem os demais detentos sabiam se era dia ou noite. Não havia janela e ninguém via a luz do sol. Mas, segundo o brasileiro, "o corpo dizia quando parecia ser noite". "Não tínhamos referência de tempo. Quando sentíamos que estávamos cansados, pensávamos que provavelmente era noite", conta.
Por dormir no concreto e com um cobertor de alumínio, Marcelo afirmou que ninguém conseguia fechar os olhos por mais de duas horas.
Para completar, a luz da sala jamais era apagada. "A melhor posição para dormir era com as costas para o chão. Mas, nesse caso, ficava com a luz dos olhos", afirma. "Algumas pessoas acordavam com pesadelos. Um deles contava que sonhava que estava sendo deportado, num avião."
O brasileiro optou por organizar uma oração, na esperança de "acalmar os corações, trazia paz". "Funcionava", afirma.
Temor pelos pais
Já solto, Marcelo teme agora por seus pais. "Nossa advogada pediu que ficássemos em casa por enquanto", explicou. Mas fez um apelo a todos os estrangeiros: "Vamos lutar para ter liberdade e viver em paz".
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