Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Governo Trump anuncia sanções que podem atingir Moraes

O secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, anunciou a restrição de vistos contra autoridades estrangeiras que sejam consideradas responsáveis por uma suposta censura contra cidadãos ou empresas americanas. Seus parentes também podem ter a entrada nos EUA rejeitada.

A medida é uma reação a governos, parlamentos ou cortes que possam pressionar plataformas digitais por medidas de moderação e na defesa da democracia.

"Durante demasiado tempo, os americanos foram multados, assediados e até acusados por autoridades estrangeiras por exercerem os seus direitos de liberdade de expressão", afirmou o chefe da diplomacia americana, nesta quarta-feira (28).

Ele não citou o caso de Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), mas diplomatas avaliam que a iniciativa pode acabar afetando o ministro brasileiro e outras autoridades do país que são acusadas nos EUA por medidas que prejudicariam os americanos.

O fato de a mensagem de Rubio ter sido traduzida para o português e disseminada também pela conta da embaixada dos EUA em Brasília foi interpretado como um alerta de que o recado era direcionado ao Brasil.

Nos EUA, o ex-conselheiro de Donald Trump Jason Miller fez questão de citar Moraes nas redes sociais ao se referir à iniciativa do governo.

Numa postagem com o conteúdo anunciado por Rubio, o americano escreveu:

"Compartilhe isso com alguém que venha imediatamente à sua mente quando você ler isso.

OK, vou começar...

Continua após a publicidade

Olá
@Alexandre".

Miller chegou a ser interrogado em uma de suas viagens ao Brasil, por ordem de Moraes.

Chris Pavlovsky, dono do Rumble - empresa que processa Moraes nos EUA - também comemorou. "Essa é uma vitória incrível para o Rumble e para a liberdade de expressão. Os países estrangeiros terão que pensar duas vezes antes de censurar", disse.

Nas redes sociais, ele também aproveitou para pressionar o ministro brasileiro. Num texto irônico, ele diz:

"Prezado Alexandre de Moraes,

Talvez seja o momento de permitir que a Rumble volte ao Brasil? O que você diz?".

Continua após a publicidade

Nos últimos meses, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) passou a fazer uma campanha entre a base mais radical do trumpismo, na esperança de convencer a Casa Branca a agir contra o ministro do STF e outros nomes.

Um dos argumentos usados é que Moraes agiu contra as plataformas digitais, numa suposta operação de censura. Na Flórida, de fato, um processo foi aberto contra Moraes por parte do Rumble, plataforma ligada ao círculo mais próximo de Donald Trump.

"Em alguns casos, autoridades estrangeiras tomaram medidas flagrantes de censura contra empresas de tecnologia dos EUA e cidadãos e residentes dos EUA sem ter autoridade para isso", disse Rubio.

"Hoje estou anunciando uma nova política de restrição de vistos que se aplicará a estrangeiros responsáveis pela censura de discursos protegidos nos Estados Unidos", disse.

"É inaceitável que autoridades estrangeiras emitam ou ameacem emitir mandados de prisão contra cidadãos ou residentes dos EUA por publicações em mídias sociais em plataformas dos EUA enquanto estiverem fisicamente presentes em solo americano", afirmou o chefe da diplomacia americana.

"É igualmente inaceitável que autoridades estrangeiras exijam que as plataformas de tecnologia dos EUA adotem políticas globais de moderação de conteúdo ou se envolvam em atividades de censura que excedam sua autoridade e se estendam aos Estados Unidos. Não toleraremos interferência na soberania dos EUA, especialmente quando essa interferência prejudicar o exercício de nosso direito fundamental à liberdade de expressão", completou.

Continua após a publicidade

Eduardo Bolsonaro comemora, mas medida é mais fraca que previsto

Imediatamente, Eduardo Bolsonaro foi às redes sociais para comemorar a decisão de restringir o visto de autoridades estrangeiras. "Parabéns. No Brasil, estamos cheios disso. EUA estão trazendo esperança por quem luta pela liberdade", escreveu o filho do ex-presidente indiciado por golpe de Estado.

Mas a medida é muito mais suave do que o que ele e seus aliados anunciavam, com a inclusão de Moraes em listas de pessoas que teriam seus bens confiscados e até parentes eventualmente afetados. Por enquanto, nada disso ocorreu.

Entre membros do governo brasileiro, o gesto de Trump foi considerado como genérico demais e até uma possível ação apenas para dar satisfação à base mais radical.

Por enquanto, o Itamaraty não vai se pronunciar. Mas a ordem é a de manter vigilância. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva prepara uma resposta política forte caso Donald Trump opte por aplicar sanções específicas contra o ministro Alexandre de Moraes. Não há qualquer previsão de que um gesto americano seja respondido com retaliações ou sanções por parte do Brasil. Mas o governo se prepara para declarar que o ato seria uma "ingerência inadmissível" nos assuntos domésticos do país.

O que é a medida

Nas redes, Rubio explicou sua iniciativa:

Continua após a publicidade

"Hoje, estou anunciando uma nova política de restrição de vistos que se aplicará a funcionários estrangeiros e a pessoas que sejam cúmplices da censura aos americanos. A liberdade de expressão é essencial para o modo de vida americano —um direito inato sobre o qual os governos estrangeiros não têm autoridade."

"Os estrangeiros que trabalham para minar os direitos dos americanos não devem ter o privilégio de viajar para o nosso país", disse. "Seja na América Latina, na Europa ou em qualquer outro lugar, os dias de tratamento passivo para aqueles que trabalham para minar os direitos dos americanos acabaram", afirmou.

O UOL apurou que, caso um ministro brasileiro solicite um visto para ir aos EUA, terá sua autorização provavelmente negada se ficar constatado que ele atuou contra esses princípios defendidos por Rubio.

O secretário de Estado de Trump já havia alertado, na semana passada, que medidas contra Moraes estavam "em análise" e que existia uma "chance" de elas serem adotadas.

Há duas semanas, o UOL revelou que a Casa Branca considerava uma ação. Mas ainda pesava o impacto que ela poderia ter nas relações bilaterais.

"A liberdade de expressão é um dos direitos mais preciosos que desfrutamos como americanos", disse um comunicado do governo Trump. "Esse direito, consagrado em nossa Constituição, nos distinguiu como um farol de liberdade em todo o mundo. Embora tomemos medidas para rejeitar a censura em nosso país, vemos casos preocupantes de governos e autoridades estrangeiras assumindo o controle", afirmou.

Continua após a publicidade

De acordo com Departamento de Estado, a política de restrição de vistos é adotada de acordo com a seção 212(a)(3)(C) da Lei de Imigração e Nacionalidade, que autoriza o secretário de Estado a declarar inadmissível qualquer estrangeiro cuja entrada "possa ter consequências adversas potencialmente graves para a política externa dos Estados Unidos".

Alguns membros da família também podem ser abrangidos por essas restrições, alertou o governo Trump.

A construção da ação

A operação que hoje ganha forma começou a ser articulada antes mesmo da eleição nos EUA, em 2024. Em setembro, republicanos enviaram uma carta ao governo de Joe Biden para que fosse implementada uma restrição ao visto para funcionários estrangeiros envolvidos em suposta censura. Naquele momento, Moraes foi citado e apontado como um ministro que "agiu como um ditador totalitário".

A carta também fazia referência ao conflito de Moraes com a plataforma X, de Elon Musk, um aliado de Trump. Já o Brasil era apontado como "uma das maiores democracias do mundo", onde a liberdade de expressão teria de ser assegurada.

O passo seguinte foi a apresentação de um projeto de lei na Câmara dos Deputados nos EUA, a "No Censors on our Shores Act" e, uma vez mais, Moraes foi citado. O projeto, caso seja aprovado, amplia as medidas contra quem agir por uma suposta censura às redes digitais.

Continua após a publicidade

Enquanto isso, num tribunal americano, Moraes passou a ser alvo de um processo por restringir a ação de plataformas.

Agora, o governo Trump iniciou a adoção de medidas concretas.

EUA criticam "censura" na Europa contra plataformas digitais

Enquanto Rubio anunciava a medida, o Departamento de Estado alertava aos europeus sobre o que pode ocorrer caso optem pela censura.

"Em toda a Europa, os governos utilizaram as instituições políticas como armas contra os seus próprios cidadãos e contra o nosso patrimônio comum", escreveu Samuel Samson, conselheiro do Escritório de Democracia e Direitos Humanos do Departamento de Estado. "Longe de reforçar os princípios democráticos, a Europa transformou-se num viveiro de censura digital, migração em massa, restrições à liberdade religiosa e muitos outros ataques à auto-governação democrática", disse.

"Estas tendências preocupantes só aumentaram nos últimos anos", alertou. "No Reino Unido, a polícia está prendendo cristãos - como Adam Smith-Connor e Livia Tossici-Bolt - por rezarem em silêncio à porta de clínicas de aborto. Em 2023, mais de 12 mil cidadãos britânicos foram detidos por publicações online, incluindo comentários críticos à crise migratória europeia, que as autoridades consideraram 'grosseiramente ofensivas'", disse.

Continua após a publicidade

Ele ainda cita que, na Alemanha, "o governo criou sistemas elaborados para monitorizar e censurar o discurso em linha sob o pretexto de combater a desinformação e prevenir ofensas".

"Quando os cidadãos alemães expressam preocupações legítimas sobre os impactos econômicos e sociais da globalização ou criticam os políticos, correm o risco de serem multados, rotulados de radicais ou mesmo de terem as suas casas invadidas pelas forças da ordem", afirmou.

"A Lei dos Serviços Digitais da União Europeia, que se destina a proteger as crianças de conteúdos nocivos online, é utilizada para silenciar as vozes dissidentes através de uma moderação de conteúdos orwelliana. Os reguladores independentes policiam agora as empresas de redes sociais, incluindo plataformas americanas proeminentes como o X, e ameaçam com multas imensas em caso de descumprimento dos seus regulamentos rigorosos em matéria de discurso", apontou.

Samson diz que este ambiente também restringe as eleições na Europa. "Tal como foi recentemente salientado pelo secretário Rubio, o popular partido Alternative für Deutschland acaba de ser classificado como uma organização 'extremista' pelos serviços secretos alemães, o que poderá levar à exclusão do partido do processo eleitoral", disse.

"A principal candidata às eleições presidenciais francesas, Marine LePen, foi acusada de desvio de fundos e, ao contrário do procedimento habitual, foi imediatamente proibida de concorrer. Na Polônia e na Romênia, foram igualmente impostas restrições a determinados partidos políticos ou políticos. Ao mesmo tempo, nações cristãs como a Hungria são injustamente rotuladas como autoritárias e violadoras dos direitos humanos", afirmou.

"Os americanos estão familiarizados com estas táticas. De fato, uma estratégia semelhante de censura, demonização e armamento burocrático foi utilizada contra o presidente Trump e os seus apoiadores. O que isso revela é que o projeto liberal global não está permitindo o florescimento da democracia. Pelo contrário, está espezinhando a democracia e, com ela, a herança ocidental, em nome de uma classe governante decadente que tem medo do seu próprio povo", disse o diplomata americano.

Continua após a publicidade

Segundo ele, "a supressão do discurso, a facilitação da migração em massa, o direcionamento da expressão religiosa e o enfraquecimento da escolha eleitoral ameaçam os próprios alicerces da parceria transatlântica".

"Uma Europa que substitui as suas raízes espirituais e culturais, que trata os valores tradicionais como relíquias perigosas e que centraliza o poder em instituições irresponsáveis é uma Europa menos capaz de se manter firme contra as ameaças externas e a decadência interna", disse.

Ele ainda lembrou que Rubio atuará sempre no interesse nacional dos EUA. "O retrocesso democrático da Europa não só afeta os cidadãos europeus, como também afeta cada vez mais a segurança e os laços econômicos americanos, juntamente com os direitos de liberdade de expressão dos cidadãos e das empresas americanas", alertou.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.

OSZAR »