Festejos ao 2 de Julho na Bahia testam popularidade de Lula e de políticos

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A crise instalada em Brasília, entre o Executivo e o Legislativo, terá uma oportunidade de aferição popular nas ruas de Salvador, nesta quarta-feira.
As celebrações em homenagem às lutas pela independência do Brasil na Bahia ocorridas há 202 anos, além de rememorar o orgulho pelo povo brasileiro ter expulsado os colonizadores portugueses que persistiram no território nacional após o Grito do Ipiranga, são sempre uma oportunidade de manifestações das tensões políticas atuais.
O desfile, que acontece no Centro Histórico de Salvador, repetindo o trajeto feito pelas tropas libertadoras em 2 de julho de 1823 e que tem à frente o Caboclo e a Cabocla como símbolos da força popular nas lutas, conta com a presença de grupos culturais e estudantis, movimentos sociais, associações de classes, sindicatos e partidos políticos.
Estarão no cortejo pelas apertadas ruas históricas da primeira capital do Brasil Colônia e bem próximos dos aplausos ou das vaias dos populares, políticos locais de diferentes ideologias, como o prefeito de Salvador Bruno Reis (União Brasil) e o governador da Bahia Jerônimo Rodrigues (PT), e também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que mais uma vez marcará presença na maior festa cívica do povo baiano.
"A essência das manifestações ao 2 de Julho é a expressão das tensões políticas do momento. Está na origem da festa, que não nasceu de forma oficial, promovida pelo Estado Imperial, mas sim da vontade das pessoas em manifestar de forma espontânea, relembrando as memórias da luta. Portanto, sempre foi uma oportunidade de manifestação dos tensionamentos do momento político", explica o historiador Sérgio Guerra Filho, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
Ele conta que os historiadores que, assim como ele próprio, se dedicaram a pesquisar a festa do 2 de Julho perceberam, em diferentes períodos históricos, essa mesma característica de trazer para as ruas, em meio às memórias de independência, os principais debates políticos nacionais de cada momento. Foi assim quando a escravidão era o tensionamento nacional ao longo do século 19, ou em épocas de regimes ditatoriais do século 20.
Portanto, será possível perceber o sentimento, ao menos dos baianos e visitantes, de quem tem mais apoio popular nas disputas travadas entre o Congresso e o Palácio do Planalto. E se as ruas confirmam ou não as pesquisas que mostram, de um lado, a queda da popularidade do presidente Lula, e do outro, o aumento das menções negativas aos parlamentares nas redes sociais.
Ao longo do desfile, os políticos da Bahia também devem ser cobrados pelos posicionamentos nas votações antipopulares realizadas nas últimas semanas, como a rejeição do decreto presidencial que alterava o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras); o aumento do número de deputados na Câmara com alto custo para o país e, ainda, a derrubada pelo Congresso dos vetos presidenciais no Marco Regulatório de Energia Offshore, que resultará em um aumento na conta de energia.
Talvez um dos principais alvos seja o prefeito da capital baiana, que acaba de enfrentar uma série de greves de servidores municipais, incluindo os professores que paralisaram as atividades por 40 dias, exigindo o pagamento integral do piso salarial da categoria, o que ainda não foi conquistado.
Sentimentos populares por liberdade
Para além das narrativas em torno do 7 de Setembro, o processo de ruptura do poder colonial português contou com demonstrações reais de subversão do povo brasileiro por liberdade.
O 2 de Julho exalta a conquista de uma mobilização popular em torno do Exército Libertador formado por brasileiros brancos, mestiços, indígenas, negros escravizados, libertos ou nascidos livres, que travaram batalhas no Recôncavo da Bahia e nos arredores de Salvador, até finalmente entrar na cidade e expulsar as últimas tropas portuguesas que insistiam em se manter no território brasileiro, na esperança de reverter a situação política e retornar o domínio sobre o Brasil.
"O 2 de Julho sempre desperta o povo para a luta por seus direitos, por um sentimento de tomar as rédeas do seu próprio futuro. Isso é muito importante porque a história do Brasil é contada como se as conquistas fossem sempre fruto de dádiva ou por acordos pacíficos. Na verdade, sempre houve muitas lutas e sofrimento", destaca Guerra.
200 anos de luta de um povo
Guerra é autor de obras sobre as lutas por independência no Brasil, entre elas: 'Guerras por toda parte: conflitos armados que impactaram as independências do Brasil', escrita junto com André Roberto de A. Machado.
O mais novo lançamento é o livro "2 de Julho: 200 anos da luta de um povo" (editoras Hucitec e Fundação Perseu Abramo). O livro traz 15 textos, de 20 autores, elaborados a partir de um Ciclo de Debates, coordenado por Sérgio Guerra Filho, em comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil na Bahia, em 2023, em parceria com universidades públicas baianas.
O lançamento acontece nesta quarta-feira, ao meio-dia, na rua Alaíde do Feijão, no Pelourinho, um dos locais históricos que ficam ao longo do trajeto do cortejo.
"Nosso objetivo foi debater não apenas o contexto histórico de 200 anos atrás, mas principalmente as pautas de luta do povo brasileiro a partir desses 200 anos, a exemplo das lutas pela terra, a Lei de Cotas, o enfrentamento ao negacionismo e em defesa da democracia, entre outras lutas", explica Sérgio Guerra.
O historiador aponta que já é possível perceber mudanças nas narrativas históricas sobre a formação do Brasil, em especial, na conquista da independência. "O próprio culto a Dom Pedro vem esvaziando e cresce o interesse pelas lutas populares travadas não somente na Bahia, mas em locais como o Piauí", cita Guerra.
Contudo, o professor afirma que ainda é preciso que as escolas e as secretarias municipais de educação dediquem mais atenção às histórias locais e ao protagonismo popular. "Os brasileiros precisam compreender que a história do Brasil é sempre pautada por projetos e lutas. Que esse país, que temos uma visão pacífica, foi o mesmo que gerou uma guerra como a de Palmares, dos Malês, de Canudos e que dizimou povos originários", pontua.
Um povo construiu um país livre
Nas batalhas pela independência do Brasil na Bahia se destacaram figuras como Maria Quitéria, uma mulher sertaneja que se vestiu de homem para lutar; Maria Felipa, que liderou marisqueiras na resistência da Ilha de Itaparica, impedindo a estratégia portuguesa de invasão pelo mar; a tropa de indígenas flecheiros, chefiados pelo cacique Bartolomeu e todos os indígenas e quilombolas que, conhecedores do território baiano, garantiram sucessivas derrotas aos portugueses, em conflitos como a sangrenta Batalha de Pirajá, de 8 de novembro de 1822.
Como escrevemos em 2023, "as comemorações em torno do 2 de Julho possuem fatos históricos e recriações simbólicas suficientes para fazer desta data o marco de nascimento de um país livre, independente do poder estrangeiro e tendo seu próprio povo como protagonista da libertação".
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