Dom Damasceno: 'Conclave tem surpresas; até brasileiro pode ser eleito'

"O conclave é sempre conduzido por surpresas", afirma com simpatia e voz serena o único dos cardeais brasileiros que não poderá votar na eleição do novo papa. Com a experiência de quem esteve nos bastidores de duas eleições papais, Dom Raymundo Damasceno afirma: "Até um brasileiro pode ser eleito".

Na tarde da última segunda-feira, ele recebeu um grupo de jornalistas brasileiros em uma pequena, mas acolhedora sala do Pontifício Colégio Pio Brasileiro. Conduziu a conversa ao ritmo de risadas, análises sobre a sucessão papal —e até comentários sobre filmes.

Cardeal emérito de Aparecida, ele não participa do conclave, mas afirma: "Acompanho tudo com atenção, oração e esperança". Aos 88 anos, apesar de não ter mais direito a voto —a idade máxima é de 80—, Dom Damasceno é uma das vozes mais respeitadas entre os cardeais brasileiros.

Para ele, o processo é marcado sobretudo pelo discernimento coletivo. "Não há chapas, não há campanhas. Os cardeais chegam com suas impressões, mas a escolha se dá em oração, escuta e diálogo", explica. "O Espírito Santo sopra onde quer. Até mesmo nos confins do mundo", diz ele, tranquilo, na véspera do início das votações.

Questionado sobre os nomes favoritos, foi direto: "Muitos nomes são mencionados, mas ninguém sabe de verdade o que se passa no coração dos cardeais eleitores. Isso é o mais bonito do conclave: o mistério que o envolve".

Mesmo sem voto, ele participou das congregações gerais que antecedem o conclave --reuniões em que todos os cardeais, eleitores e não eleitores, compartilham impressões sobre o futuro da Igreja. "A maioria deseja a continuidade da sinodalidade proposta por Francisco. Isso é um dado claro", pontua. Segundo o cardeal, há um clima de maturidade e consenso sobre a importância de seguir promovendo a escuta e a descentralização.

Dom Damasceno também comentou a crescente tentativa de interferência externa sobre o conclave. "Há sempre interesses, sempre pressões de fora. Mas os cardeais sabem que estão ali diante de Deus, e não de forças políticas", afirma. Para ele, apesar das movimentações externas, o colégio cardinalício tem maturidade e consciência espiritual para resistir a pressões geopolíticas. "O conclave não é eleição civil. É escolha espiritual."

Entre reflexões mais sérias, houve também espaço para leveza. Quando um jornalista citou filmes sobre papas, como Dois Papas e O Sucessor, Dom Damasceno sorriu e confessou: "Vi e gostei muito. Na verdade, eu gosto muito de cinema. Nem sempre os filmes são precisos, mas nos ajudam a pensar sobre o peso da missão do Papa e a humanidade por trás do cargo."

Ao lembrar da eleição de Francisco, o cardeal se emocionou. "Até hoje me perguntam: 'Quem é Bergoglio?' E eu digo: 'É o homem que o Espírito Santo soprou naquele momento'."

Ele acredita que a decisão agora não deve se alongar. "Creio que em três ou quatro dias teremos um novo Papa. Os cardeais se conhecem, mesmo vindo de regiões distantes. A convivência nos sínodos, nas comissões e nas conferências episcopais aproxima e ajuda no discernimento."

Mesmo sem indicar preferências, ele não descarta um latino-americano --nem mesmo um brasileiro. "Claro que é possível. Ninguém imaginava Bergoglio."

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