Efeito Milei obriga brasileiros a deixarem Argentina: 'Não é fácil voltar'

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Um ano e meio depois da chegada de Javier Milei à presidência, cada vez mais brasileiros deixam a Argentina. No ano passado, a coluna revelou que dezenas de estudantes de medicina estavam trocando o país pelo Paraguai.
Em 2025, a tendência segue em alta, mesmo após a inflação mensal no país vizinho ter caído de 25% a 3%. A razão se deve, principalmente, a um contexto de crise econômica, endurecimento nas políticas migratórias e aumento do custo de vida, relataram brasileiros ouvidos pela coluna.
Nas ruas de Buenos Aires, escuta-se cada vez menos a língua portuguesa - mesmo em lugares que antes eram comuns, seja por turistas ou imigrantes brasileiros. Se antes a Argentina era escolhida por muitos devido à melhor qualidade de vida e ao sonho de cursar uma universidade pública e gratuita sem os entraves do vestibular, atualmente a apreensão sobre o futuro faz cada vez mais brasileiros desistirem do país governado por Milei.
O governo colocou em prática o slogan "Argentina para os argentinos" com a reforma migratória que endurece o discurso contra os estrangeiros e limita direitos adquiridos. Aliado a isso, a crise imobiliária - com aluguéis ajustados a cada três meses -, aumento do custo de vida e o congelamento de salários, tem feito muitos brasileiros repensarem a rota - alguns, inclusive, voltando para o Brasil.
Segundo dados do Itamaraty, cerca de 90 mil brasileiros são residentes na Argentina. Destes, estima-se que 20 mil sejam estudantes universitários - sendo 12 mil em universidades públicas e 8.000 em faculdades privadas. Conforme o censo da Argentina de 2022, há dois milhões de imigrantes no país, sendo a maioria de Paraguai, Bolívia e Peru, seguido de Brasil e Colômbia.
'Com Milei, a xenofobia foi autorizada'

A advogada Rhana Spinelli, 35, mudou-se para Buenos Aires com o marido, Flávio Spinelli, 35, em 2018, para realizar o sonho de estudar medicina em uma universidade acessível e cosmopolita. O processo de regularização de documentos foi definido por ela como "rápido e tranquilo". Em poucos meses, os dois estavam com a residência permanente autorizada, devido a um acordo Brasil-Argentina que facilita o processo para cidadãos desses países.
Mas a vida dos sonhos começou a mudar quando assumiu o governo Milei. "Coisas que eu nunca tinha sofrido na Argentina, passei a sofrer depois dele [Javier Milei], como ataques xenofóbicos", contou.
É um governo xenofóbico (...) Existia em Buenos Aires uma xenofobia velada que foi escancarada com Milei. Coisas que eu em quase sete anos de Argentina nunca tinha vivido, em menos de um ano do governo de Milei eu comecei a sofrer. Me interpelavam na rua e mandavam eu parar de falar português porque eu estava no país deles. Falavam que eu tinha que voltar para o meu país e que estava ali para roubar as vagas e o trabalho deles. Nesse sentido, o governo Milei tem estimulado o pior
Rhana Santos Pestana Spinelli
O clima hostil e o aumento do custo de vida tiraram dela e do marido o prazer de viver em Buenos Aires. "Tudo começou a ficar quatro vezes mais caro, como o aluguel e o mercado, a escola da minha filha subia todos os meses, ficou surreal", disse a estudante. E, após sete anos morando em Buenos Aires, o casal decidiu mudar a rota e voltar para o Brasil.
"Estamos morando no Rio e gastando menos do que em Buenos Aires. Estou conseguindo pagar o financiamento da minha faculdade de medicina", comparou. A decisão de voltar, no entanto, não foi fácil. "Eu sinto muita falta da Argentina. Ainda dói. Não é fácil voltar, mas foi a decisão certa. E eu espero com todo o meu coração que a Argentina melhore", desabafou.

Já a estudante de história e fotógrafa Thais Santos, 32, voltará ao Brasil no próximo mês. Ela, que é natural de Goiânia, foi morar em Buenos Aires com o marido Guilherme Reis, 33, em 2019.
No país vizinho, cresceu como fotógrafa de viagem, enquanto o companheiro realizava o sonho de estudar medicina em uma universidade pública e gratuita a todos, independente do status migratório. Isso mudou com a reforma de Milei, mas as faculdades particulares continuavam acessíveis em comparação ao custo no Brasil. Mas agora isso também acabou. Além do aumento das mensalidades, aluguel, plano de saúde, mercado, e transporte público triplicaram os preços em menos de um ano, destaca a jovem.
Lutei bastante contra a ideia de retornar ao Brasil, porque me sinto em casa em Buenos Aires e gosto do que a cidade pode proporcionar. A qualidade de vida e segurança eram os fatores que mais se destacavam para nós. Antes vivíamos super bem, agora reduzimos drasticamente o consumo de diversas coisas, inclusive trocas estratégicas de alimentos, mesmo recebendo relativamente bem. A questão financeira é a principal razão de voltarmos
Thais Santos
Para Thais, o governo Milei usa o poder para "massacrar minorias", produzindo um país mais desigual, modificando a dinâmica social, a segurança pública e o desejo dos brasileiros de viverem lá. Além disso, ela também cita o fato de a capital argentina ter se tornado um lugar mais hostil com os estrangeiros.
"Entendo que reduzir a máquina estatal estava nos planos, mas estratégias pensando nas consequências disso deveriam ter sido pensadas. Tirar tudo de um dia para o outro, e os salários não acompanharem, leva à situação atual: famílias em situação de rua e muita gente vivendo sem um pingo de dignidade", avaliou em entrevista à coluna.
Dificuldade para estudar na Argentina
A advogada brasileira - que também atua na Argentina - Liziana Amaran Rubin, contou à coluna que brasileiros passaram a procurá-la para realizar a transferência dos estudos. "Eles já não conseguem seguir morando e estudando aqui na Argentina. Estão optando pelo Brasil porque morar aqui está mais caro", revelou a advogada.
"Não acredito que existam tantos brasileiros que estão chegando na Argentina como antes. A maioria está voltando para o Brasil", disse.
Desde que assumiu o governo, Milei passou a exigir um visto de estudante àqueles que querem cursar a faculdade na Argentina - o que não era exigido antes. Dezenas de estudantes, inclusive, foram barrados no aeroporto sob a acusação de serem falsos turistas, conforme o UOL revelou com exclusividade no ano passado.
'Não dá para viver sem saber quanto vou pagar de aluguel'
A empresária Claudia Soares, 35, que mora em Buenos Aires há quase 11 anos, está de malas prontas e vai mudar para a cidade de Natal, no Brasil, ainda em junho. A decisão, segundo ela, não foi fácil, já que ela mantém uma empresa de turismo receptivo para brasileiros no país.
No entanto, ficou inviável para ela viver na capital argentina. Tanto pela queda do turismo - em fevereiro de 2025, 59 mil brasileiros viajaram ao país vizinho, contra 105 mil no ano passado, segundo dados da secretaria de turismo da Argentina - quanto pelo aumento drástico do custo de vida.
Vamos ter mais qualidade de vida no Brasil, pela estabilidade financeira. Não foi fácil tomar essa decisão. Nossos filhos são argentinos, mas não dá para morar num país onde você não sabe quanto vai pagar de aluguel e escola em três meses
Claudia Soares
Milei derrubou a lei de aluguel, e agora os contratos de moradia são feitos caso a caso. Mas, em geral, o mercado tem optado por reajustes a cada três meses. O índice utilizado para ajustar o valor também varia, podendo ser a inflação acumulada ou outros critérios. Tudo isso não possibilita prever quanto se pagará nos meses seguintes.
Aliado a isso, o custo de vida aumenta a cada mês, porque a inflação segue alta, os subsídios foram retirados e a política para controlar o câmbio faz com que haja uma especulação sobre os preços. Além disso, salários foram congelados pela "política da motosserra do governo", que busca déficit zero e reduzir os custos da máquina pública.
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